Cardiomiopatia dilatada: o que a genética nos ensina?
16/10/2025

A cardiomiopatia dilatada (CMD), também conhecida como DCM, é uma das doenças cardíacas mais estudadas em cães — e uma das que mais preocupa os tutores de Dobermans, na qual ela é bastante comun. Essa condição afeta o músculo do coração, que se torna mais fino e fraco ao longo do tempo, dificultando o bombeamento de sangue. Com a progressão da doença, o animal pode apresentar cansaço, intolerância ao exercício, desmaios e, em casos mais graves, morte súbita. O mais alarmante é que a CMD muitas vezes evolui silenciosamente: cães aparentemente saudáveis podem estar no início da doença sem manifestar nenhum sinal visível.
O que a ciência descobriu
Pesquisadores acompanharam centenas de Dobermans por vários anos, analisando cães com diagnóstico confirmado de CMD a partir de histórico clínico, exames cardíacos regulares e monitoramento ao longo do tempo. Esses dados permitiram identificar quatro variantes genéticas associadas ao risco da doença, denominadas DCM1, DCM2, DCM3 e DCM4.
Durante muito tempo, apenas as duas primeiras variantes — DCM1 e DCM2 — eram conhecidas e amplamente testadas. No entanto, estudos recentes revelaram outras duas (DCM3 e DCM4), que se mostraram fortemente associadas à doença, especialmente em Dobermans de origem europeia. Isso significa que cães sem risco aparente segundo os testes antigos podem, na verdade, carregar variantes importantes que até então não eram detectadas.
Essas quatro regiões genéticas atuam de forma aditiva — ou seja, a combinação de variantes em mais de uma dessas regiões aumenta significativamente a probabilidade de desenvolver a doença.
Um risco invisível que pode ser revelado
A CMD é uma doença complexa e multifatorial: envolve fatores genéticos, ambientais e até nutricionais. No entanto, a genética desempenha um papel central, já que certas mutações aumentam expressivamente o risco de o coração enfraquecer ao longo da vida. Cães com duas ou mais variantes de risco tendem a desenvolver a doença mais cedo ou de forma mais grave, mas o inverso também é verdadeiro — há Dobermans sem variantes conhecidas que podem adoecer, o que mostra que ainda há fatores a serem descobertos.
Por isso, o teste genético não serve apenas para “confirmar” a doença, uma vez que o diagnóstico já é realizado por exames cardíacos. A grande aplicação do teste é, na verdade, para antecipar riscos, orientando o acompanhamento veterinário. Saber que um cão carrega variantes de risco permite que ele seja monitorado de forma mais próxima, com avaliações cardíacas periódicas, exames de função elétrica e cuidados específicos em cada fase da vida.
O que isso significa para criadores e tutores
Para os criadores, a informação genética é uma ferramenta essencial de manejo reprodutivo. Testar todos os reprodutores permite planejar cruzamentos com responsabilidade, evitando combinações que concentrem múltiplas variantes de risco. Como essas mutações são relativamente comuns na raça, o objetivo não deve ser excluir todos os portadores — o que reduziria perigosamente a diversidade genética —, mas administrar os riscos com equilíbrio e conhecimento.
Já para os tutores, entender o perfil genético do cão é uma forma de prevenção. Um Doberman pode viver bem e saudável mesmo com variantes genéticas, desde que receba acompanhamento adequado. Isso inclui check-ups cardíacos regulares, atenção a sinais de fadiga e, quando indicado, exames complementares para detectar alterações precoces. Quando as primeiras alterações são detectadas, o veterinário pode indicar fármacos e até mesmo mudanças na dieta, que irão proteger o coração de uma piora rápida, dando mais anos com qualidade de vida para o pet. A genética não é uma sentença: é um mapa que mostra onde devemos olhar com mais atenção.
A contribuição da petgenoma
Com base nas pesquisas mais recentes, a petgenoma oferece um teste genético que avalia simultaneamente as quatro variantes associadas à CMD — DCM1, DCM2, DCM3 e DCM4. Essa análise fornece uma visão completa do risco, permitindo que veterinários, criadores e tutores tenham em mãos a melhor ferramenta disponível para decisões preventivas.
A cardiomiopatia dilatada é uma das doenças mais desafiadoras da cardiologia veterinária, mas também uma das que mais avançou em termos de compreensão genética. Hoje sabemos que a chave para reduzir sua incidência não está apenas em detectar a doença, mas em entender quem tem mais chance de desenvolvê-la e por quê.
Conhecer o DNA do seu Doberman é o primeiro passo para garantir não apenas mais anos de vida, mas também mais qualidade nesses anos — porque, quando se trata de saúde, a informação é sempre o melhor tratamento preventivo.
E cães de outras raças ou até mesmo os SRDs?
Apesar de ser mais conhecida em raças como o Dobermann, o Boxer e o Cocker Spaniel, a cardiomiopatia dilatada (CMD) pode afetar cães de diversas raças e até SRDs. Casos da doença são observados com frequência em cães sem predisposição clássica — mostrando que o problema é muito mais comum do que se imagina.
Isso acontece porque a CMD é uma condição multifatorial, em que fatores genéticos, nutricionais e ambientais se combinam. Os marcadores genéticos analisados pela petgenoma podem estar presentes em SRDs ou até mesmo em outras raças que ainda não foram estudadas e para as quais não se conhece a predisposição à doença. Entretanto, isso não significa que esses marcadores não sejam importantes ou significativos nesses animais: é de grande importância unir o conhecimento genético com a história clínica! Quando algum destes marcadores está presente, a petgenoma recomenda atenção do médico veterinário e dos tutores, uma vez que o risco de aparecer a doença nesses animais pode existir independentemente de não terem sido descritos na literatura.
Por isso, é importante que qualquer cão com sinais de cansaço fácil, tosse ou desmaios seja avaliado por um veterinário. E, nos casos suspeitos, o teste genético da petgenoma pode ajudar a identificar riscos herdados — permitindo um acompanhamento precoce e um plano de prevenção personalizado.
Enrico Ferraz
Estudante de Med. Veterinária - USP (8o semestre)
Analista da petgenoma
Fabiana Michelsen de Andrade
Geneticista especializada em Pequenos Animais
Bióloga, Mestre e Doutora pela UFRGS
Pós-doutorado Biologia Celular e Molecular (Reino Unido) e em Melhoramento Genético Animal (UFRGS)
Sócia fundadora e diretora científica da petgenoma